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Artigo | Julgamento das controvérsias entre Representante e Representada: Foro Legal versus Foro Contratual

Artigo | Julgamento das controvérsias entre Representante e Representada: Foro Legal versus Foro Contratual

Por Pedro
Paulo Garcia*

Saber
o significado de Foro, especialmente para os leitores que não são profissionais
do direito, é ponto de partida necessário ao entendimento da matéria em
análise, que busca elucidar qual dos foros prevalece para análise e julgamento
das controvérsias oriundas da relação jurídica entre representante e
representada, se o Legal ou o Contratual?

Neste
sentido, Foro é o juízo competente, ou seja, é o lugar onde será realizado o
julgamento do processo e, no nosso contexto, o local onde será apreciada e julgada
a controvérsia objeto do processo judicial que, porventura, surgir a partir de
desentendimento entre representante e representada. E qual a importância do
Foro para o representante comercial? Saber, desde o início da relação com a
representada, onde deverá comparecer, se no seu domicílio ou no domicílio da
sua contratante.

Recorrendo
ao dispositivo legal, fincado no artigo 39 da Lei 4886/65, com as alterações da
Lei 8.420/92, verifica-se o seguinte conteúdo:

Para julgamento das
controvérsias que surgirem entre representante e representado é competente a
Justiça Comum e o foro do domicílio do
representante
(…) (grifo nosso).

Não
paira qualquer dúvida que o legislador de 1992, reconhecendo a hipossuficiência
do representante (parte economicamente mais fraca da relação contratual), teve
a clara e manifesta intenção de resguardá-lo de inevitável custo com a
propositura de ação judicial em outro lugar que não o seu domicílio. A sensibilidade
do legislador foi de suma importância para o representante comercial, haja
vista a segurança proporcionada pela fixação do domicílio em prol da categoria.
Neste sentido preleciona o catedrático Rubens Requião:

Esse é um dos
prescritos mais importantes para o representante comercial. Tem ele um
domicílio fixo, que é seu domicílio. No regime anterior o domicílio sempre se
definia pelo representado, e o representante do interior do país era obrigado a
postular nos maiores cantos do país. 

É evidente
que a novidade não agradou a classe empresarial que, sem acatar o novo comando
legal, continuou a inserir, na maioria absoluta dos contratos de representação
comercial, o foro de sua sede em detrimento do domicílio do representante. E,
passados 27 anos da alteração benéfica, nada mudou em relação ao posicionamento
das representadas. Quem milita no jurídico de Conselhos e Sindicatos da
categoria bem sabe que, ainda hoje, os contratos de representação comercial
continuam contemplando o foro da representada, sem se importar com o
dispositivo normativo inserido pela Lei 8.420/92.

Ocorre,
ainda que o contrato contemplasse previsão ‘contra
legem
’ (contra a lei), o judiciário, majoritariamente, dava razão ao
representante comercial e seguia o comando legal, revendo o foro contratual e
adequando-o para o foro legal. Ressalte-se, o judiciário dava razão, no
pretérito. Infelizmente, parece ter os tribunais mudado de posicionamento sobre
a questão e, nos últimos anos, o entendimento é que trata-se a designação do
artigo 39 da Lei 4886/65, com as alterações da Lei 8.420/92, quanto ao foro, de
competência relativa e não de competência absoluta, podendo, neste caso, o
representante abrir mão desse direito, já que é um direito relativo.

As
primeiras decisões do judiciário ficam-se na disposição legal. Neste sentido o
julgamento do Recuso Especial – STJ – de relatoria do Ministro Sálvio de
Figueiredo Teixeira, datado de 1998:

RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO.
FORO DE ELEIÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO. FORO DE DOMICÍLIO DO REPRESENTANTE. LEI
4.886/65, ART. 39. PRECEDENTES. RECURSO ACOLHIDO. I – A cláusula de eleição de
foro inserida em contrato de adesão é, em princípio, válida e eficaz, salvo: a)
se, no momento da celebração, a parte aderente não dispunha de intelecção
suficiente para compreender o sentido e as conseqüências da estipulação
contratual; b) se da prevalência de tal estipulação resultar inviabilidade ou
especial dificuldade de acesso ao Judiciário; c) se se tratar de contrato de
obrigatória adesão, assim entendido o que tenha por objeto produto ou serviço
fornecido com exclusividade por determinada empresa. II – Não reconhecida
qualquer dessas circunstâncias, é de prevalecer o foro eleito. III – Em se tratando, todavia, de contrato
de representação, a cujo respeito há disposição expressa de lei a determinar o
foro do domicílio do representante como sendo o lugar apropriado para a solução
do litígio estabelecido entre as partes contratantes (art. 39 da Lei n.
4.886/65, modificado pela Lei n. 8.420/92), entende a Turma que não há de
prevalecer o foro eleito por adesão.
(STJ; REsp 149759 / SP;
1997/0067906-3; Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; Órgão Julgador: Quarta
Turma; Data do Julgamento: 24/06/1998; Data da Publicação/Fonte: DJ 21/09/1998
p. 184). (grifo nosso)

Portanto,
a orientação jurídica para os representantes que buscavam assessoria com o
intuito de esclarecer cláusulas contratuais, especialmente acerca da questão do
foro, coadunava-se no sentido de aderir ao contrato, ainda que o foro
contratual fosse da representada. Ora, tanto a legislação quanto a posição
jurisprudencial davam abrigo a esse entendimento. Traduzindo o raciocínio:
poderia o representante assinar o contrato, mesmo sendo previsto o foro da
representada que, em um eventual rompimento da relação entre ambos, possíveis
controvérsias seriam julgadas no domicílio do representante, haja vista a prevalência
do foro legal sobre o contratual.

Atualmente,
como diria o mineiro, o rumo da prosa mudou. E essa mudança, iniciada nos
primeiros anos do século XXI, com a alteração de entendimento do judiciário,
trouxe insegurança e prejuízo ao representante comercial. E o representante
comumente indaga: será que a força do capital do empresário representado
influenciou na mudança de entendimento dos tribunais? Acreditamos não ser este
o caso, mesmo porque o direito, além de dialético, encontra-se em constante
evolução, inclusive com base filosófica hermenêutica. A interpretação do
dispositivo em comento baseava-se, ao que parece, estritamente e literalmente na
legalidade e, agora, tem como base um viés sistemático, que busca comparativos
em outras normas, e permite, em síntese, o entendimento de que não é possível
figurar como absoluto o foro legal previsto na legislação regulamentadora da
atividade de representação comercial, salvo se for provada a hipossuficiência
do representante contratado.

Um dos
casos emblemáticos, responsável pelo redirecionamento do posicionamento
jurisprudencial, salvo engano, ocorreu da análise do Foro especial de uma
determinada empresa de representação comercial, com estrutura empresarial de
grande porte, tanto no tocante ao aspecto físico estrutural, quanto patrimonial
e intelectual que, utilizando-se do dispositivo legal do art. 39 da Lei
4.886/65, com as alterações da Lei 8.420/92, alegou prerrogativa de foro. No
entanto, seu ex-adverso (sua representada), econômica e financeiramente,
mostrava-se em posição de inferioridade, ou seja, a representada, neste caso,
era hipossuficiente em relação ao representante comercial. Neste contexto, a
decisão do STJ, relatada pela Ministra Nancy Andrighi, nos seguintes termos:

DIREITO COMERCIAL.
REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. ART. 39 DA LEI Nº 4.886/65. COMPETÊNCIA RELATIVA.
ELEIÇÃO DE FORO. POSSIBILIDADE, MESMO EM CONTRATO DE ADESÃO, DESDE QUE AUSENTE
A HIPOSSUFICIÊNCIA E OBSTÁCULO AO ACESSO À JUSTIÇA. – A Lei nº 4.886/65 tem
nítido caráter protetivo do representante comercial. – Na hipótese específica
do art. 39 da Lei nº 4.886/95, o objetivo é assegurar ao representante
comercial o acesso à justiça. – A
competência prevista no art. 39 da Lei nº 4.886/65 é relativa, podendo ser
livremente alterada pelas partes, mesmo via contrato de adesão, desde que não
haja hipossuficiência entre elas e que a mudança de foro não obstaculize o
acesso à justiça do representante comercial. – Embora a Lei nº 4.886/65 tenha
sido editada tendo em vista a realidade vivenciada pela grande maioria dos
representantes comerciais, não se pode ignorar a existência de exceções. Em
tais circunstâncias, ainda que a relação entre as partes continue a ser
regulada pela Lei nº 4.886/65, esta deve ser interpretada e aplicada como
temperança e mitigação, sob pena da norma se transformar em instrumento de beneficiamento
indevido do representante em detrimento do representado.
Embargos
conhecidos, mas não providos. (STJ; EREsp 579324 / SC; 2006/0174249-0;
Rel.ªMin.ª Nancy Andrighi; Órgão Julgador: Segunda Seção; Data do Julgamento:
12/03/2008; Data da Publicação/Fonte: DJe 02/04/2008). (negrito nosso).

Antes
mesmo da decisão ora registrada, já em 2005, o posicionamento do STJ havia sido
redirecionado, considerando como relativo o foro previsto no art. 39 da
legislação regulamentadora da representação comercial. Segue outro julgado da
época:

EXCEÇÃO DE
INCOMPETÊNCIA. CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. ART. 39 DA LEI N. 4.886/65.
COMPETÊNCIA RELATIVA. FORO DE ELEIÇÃO PREVALENTE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. A competência estabelecida pelo art. 39 da
Lei n. 4.886, com a redação da Lei 8.420/93, é de natureza relativa, permitindo
que as partes ajustem o foro de eleição, o qual deve prevalecer a não ser nos
casos em que caracterizada a hipossuficiência.
Recurso especial conhecido e
provido. (STJ; REsp 579324 / SC; 2003/0155895-0; Rel. Min. Jorge Scartezzini;
Rel. p/ acórdão Min. Cesar Asfor Rocha; Órgão Julgador: Quarta Turma; Data do
Julgamento: 15/02/2005; Data da Publicação/Fonte: DJ 07/08/2006 p. 227). (negrito nosso).

Os
posicionamentos derradeiros aqui elencados ainda continuam a dominar a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ, conforme é possível
constatar em breve pesquisa ao Portal do referido Tribunal Superior. Significa
que o foro legal favorável ao representante comercial, antes absoluto, passou a
ser relativo, status jurídico que se encontra atualmente, e sem perspectiva de
retorno ao status quo ante (ou seja,
dificilmente voltará a ser considerado foro de competência absoluta).

Essa é
a realidade e o representante precisa estar ciente e preparado para minimizar o
prejuízo. E como se preparar? Entendemos que duas possibilidades devem ser
consideradas: a uma é não assinar o contrato com o foro da representada e, para
tanto, deverá insistir com a contratante, antes de assinar o instrumento contratual,
que o foro deve ser o local da sede da empresa de representação ou o domicílio,
caso o representante seja pessoa física (sabemos que poucos são os
representantes que se posicionam contra as determinações da representada
contratante, ainda mais no início da relação contratual); a duas é
documentar-se, periodicamente, a fim de provar, futuramente, que encontra-se em
posição de hipossuficiente perante a representada (constituir prova sobre sua
hipossuficiência econômica e financeira em relação à representada).

Neste
particular, da hipossuficiência, vale a pena destacar que as decisões, sem
exceção, relativizam o foro, antes absoluto, por considerar que não foi provada
a ‘fraqueza financeira’ do representante em relação à representada. Afirmamos,
sem pestanejar, que a prova da hipossuficiência é a saída única para reverter a
previsão do foro contratual em foro legal. E mais, essa prova, por conta da
súmula 7 do STJ (que veda reexame de prova no Tribunal Superior), deve ser
apresentada, robustamente, ainda na primeira instância. Quiçá no Tribunal de
segunda instância, caso tenha sido cerceada pelo julgador singular. E o que é
uma prova robusta de hipossuficiência? É, no mínimo, um laudo técnico elaborado
por profissional da contabilidade, contendo uma análise de balanço e,
concluindo, ao final, que a empresa de representação comercial, pelos números
apresentados, detém parcos recursos econômicos e financeiros, se comparada com
a hiperssuficiência da representada contratante.   

Sem
delongas desnecessárias, encerramos as nossas considerações, certos de que só
existem dois caminhos para a manutenção do Foro Legal previsto no artigo 39 da
Lei 4.886/65, quais sejam: o representante exige que conste no contrato que as
controvérsias serão dirimidas no local do seu domicílio (havendo aí uma
coincidência do foro legal com o contratual); ou que prove, de forma robusta e
convincente, já na dialética de primeira instância, que é hipossuficiente em
relação a força econômica e financeira da representada (havendo aí, por força
de decisão judicial, a desconsideração do foro contratual e a confirmação do
foro legal). 

* Bacharel em Ciências Contábeis e em Direito (PUC-MG e Newton
Paiva). Pós-graduado em Auditoria Externa (UFMG). Mestre em Direito Privado
(PUC-MG). Professor da Pontifícia Universidade Católica (2001 e 2002).
Professor do Centro Universitário Newton Paiva desde 2001, onde coordenou o 1º
Curso Superior em Gestão de Representação Comercial do Brasil. Advogado.
Procurador do CORE-MG.

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